HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA – UM PAPEL DESAGREGADOR
Willian José da Cruz
Um
dos grandes temas problematizáveis da educação matemática é o caráter
aparentemente infalível e estático do conhecimento matemático. Tudo é apenas
como parece ser: p = p. Esse princípio de identidade mora no coração da lógica
ou da ciência exata e, isso é obviamente direcionado contra qualquer assunto
histórico ou filosófico.
Neste
texto, vamos discutir os aspectos que envolvem a história da matemática e suas
implicações na educação matemática.
Segundo Otte (2012), frequentemente
é afirmado, em particular pelos matemáticos, que a matemática não tem história que
valha a pena ser conhecida. O mais novo estado da arte da matemática tem
levantado e reformulado, em termos modernos, o que parece ser digno de ser
lembrado em termos históricos. Otte (2012) continua afirmando que os
matemáticos dizem que qualquer concentração adicional nas idas e vindas do
processo histórico é de nenhum valor, pois toda cognição matemática está de
acordo com o seu paradigma contemporâneo, tal que se existisse uma historia,
ela seria mais um passatempo. Isto é, a história da matemática é de certo modo
um dogma ou fofoca.
Olhando
a matemática desse ponto de vista, ela seria representada como um conjunto de
trabalhos completos e teorias terminadas que deveriam algumas vezes revelar o
seu segredo para algum talentoso, ou gênio, como afirma Paulo Freire em
entrevista dada ao Professor Ubiratan D’Ambrosio durante o ICMI 8 (Freire,
1997), mas que não poderia ser ensinada ou lida.
Nessa
linha de argumentação, ou você tem jeito para a
matemática ou você não tem. Segundo Otte
(2012) a matemática nesse contexto tem nada haver com a realidade em si, é
apenas uma forma dessa realidade e nada tem haver com atividades humanas e com
emoções etc.
Tal
visão não permite a existência, por exemplo, de problemas não resolvidos, pois
frente a um obstáculo, teríamos que buscar recursos de qualquer jeito e usar as
mais loucas intuições ou ideias. A intuição não tem regras.
Se
as perguntas sem respostas e problemas sem soluções forem excluídos da
matemática, isso não ajudaria a estimular o espírito de criatividade e de
verdade nos estudantes. Contudo, a perspectiva histórica da matemática é
essencial ao espírito de verdade e de criatividade.
No
nosso mundo fenomênico, o que se apresenta diante de nós, dos nossos sentidos,
é um mundo contínuo, onde tudo é relacional e relativo. Nesse mundo, não existe
cor, coisa pesada, quente, doce. Só existe tudo isso relativamente. Não existe
distância grande ou pequena isso depende do contexto. Um sabor ou uma cor ou
uma distância é um contínuo que a ciência moderna representa por relações que
são dadas em termos numéricos.
A
continuidade é algo ideal como a distinção também o é, pois não há, em geral,
uma uniformidade da natureza. Tudo isto sempre requer reforços epistemológicos
para usar bem o princípio da continuidade. A intuição erra muito, mas, mesmo
assim é indispensável.
Segundo
Otte (2012) as considerações históricas são simples reações negativas ao
dogmatismo matemático e ao positivismo, mas, a abordagem histórica não pode ser
justificada apenas apontando os interesses e preocupações humanas. A mais ampla
abordagem sociocultural da história da matemática tem que modelar suas
categorias principais de maneira a torná-las aplicáveis à matemática e às
questões cognitivas mais próximas.
Cabe
aqui um exemplo: hoje em dia existem muitas controvérsias sobre o uso da palavra
real, com referencia aos objetos matemáticos. Nenhum estudo histórico pode
resolver essas controvérsias e nem mesmo deveria ser o propósito de tais
estudos. Sua tarefa é antes de tudo o de descrever e analisar atitudes. Segundo
Otte (2012), ao contrário dos filósofos ou educadores, os historiadores não se
preocupam com questões de justificações.
Otte
(2012) escreve que durante o século XIX apareceram novas aplicações da
matemática. Problemas e certas transições ocorreram baseados nas novas ideias
teóricas sobre a natureza da matemática e seus objetos. Esses desenvolvimentos
podem ser moldados em termos de uma transformação da geometria euclidiana para
a teoria dos conjuntos de Cantor ou a axiomática de Hilbert e Peano. Essa transformação fez a matemática mais abstrata
e menos explicativa. Um fato curioso e controverso é o discurso de que a
matemática abstrata pura surgiu não menos da necessidade da comunicação em
larga escala e a longa distância, estando a ironia no fato de que seu caráter
formal simultaneamente facilitou e impediu a aprendizagem e a comunicação.
Em
nossa pesquisa, discutimos, concordando com Otte (2012), que as dificuldades de
aprendizagem em matemática, resultam do fato de que o conceito de explicação é
fundamental para as nossas práticas e objetivos educacionais, visto que as
ciências modernas não nos oferecem explicações no sentido desejado. Essas
ciências são muito abstratas e técnicas. A matemática, entretanto, não pode ser
organizada produtivamente e perseguida na escola como um tema essencialmente
profissional. A educação matemática, como outras matérias, deve contribuir para
uma busca comum pela claridade nas questões fundamentais.
Detoni et
al (2009) consideram a história da matemática enraizada nos sistemas escolares
propagando uma matemática e não uma forma de pensar matematicamente. Esses
mesmos autores sugerem elementos que colocam a história da matemática tendo um
papel desagregador (no sentido de esclarecer ou desmistificar algumas certezas
da disciplina escolar matemática), rompendo paradigmas estabelecidos nessa
ciência como: possibilitar a desmistificação da matemática e a desalienação do
seu ensino; oportunizar uma conscientização epistemológica e um trabalho
pedagógico no sentido da conquista da autonomia intelectual; desenvolver um
pensamento crítico e uma qualificação como cidadão à promoção da inclusão
social e o resgate da identidade cultural de grupos sociais. Esses elementos
vêm sendo discutidos por Miguel e Miorim (2004) que defendem a utilização da
história da matemática na educação matemática.
Existem
vários argumentos reforçando a utilização da história da matemática no ensino
de matemática. Dentre esses vários existem alguns que veem a história apenas
como um elemento que ajudaria a aprender a matemática que está posta. Cabe aí,
segundo, Detoni et al (2009),
repensarmos o que queremos com o ensino da matemática. Se a proposta é apenas
desagregar a motivação ou a propagação de um saber pronto e técnico, não
atende, pois já afirmamos que o historiador não está preocupado com a questão
de justificação.
As
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) para o ensino
fundamental pensa a história como tendo um papel desmistificador da matemática
e desmistificar significa mostrar aquilo que está posto, de outra forma, para
que os alunos percebam o caráter cultural e inventivo da matemática. Para que
percebam que a matemática não é uma construção linear que possui vieses
acadêmicos, políticos e práticos e que os conceitos foram construídos não por
uma pessoa ou grupo de pessoas, mas pelo movimento de idas e vindas ao longo da
história.
Por
fim, a história da matemática como elemento pedagógico que possibilita a
autonomia intelectual também é um elemento que desagrega a estrutura curricular
e pedagógica das escolas. Esta forma de desenvolver a história tem o papel de desmistificar a tese na qual afirma que matemática
é uma técnica que deve ser objetiva e rigorosa e não inventiva. A história da
matemática poderia ser um elemento que possibilitaria a matemática ser
construída, reconstruída e inventiva, desagregando valores estabelecidos para o
ensino e aprendizagem desse saber.
REFERÊNCIAS
Brasil (1998).
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: matemática /
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 148 p.
Detoni, A. R., Moreira,
D. D. Carbogim, L. F. S. A (2009) historia da matemática como intercessora.
In: Investigações: Experiências de pesquisas em educação. Juiz de Fora:
EDUUFJF.
Freire, P. (1997). D’Ambrosio Entrevista Paulo Freire. Disponível em: http://vello.sites.uol.com.br/entrevista.htm.
Acesso in: 01/04/2019.
Miguel, A., Miorim,
A. (2004). História na educação
matemática: propostas e desafios. Belo Horizonte: Autêntica.
Otte, M. (2012).
A realidade das Idéias: Uma perspectiva
epistemológica para a Educação Matemática. Cuiabá: EDUFMT.
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